sábado, 30 de outubro de 2010

O Clássico dos Clássicos (fora o Polpetone)...

Como ainda estou pensando em como vou categorizar as experiências que passei na Itália, resolvi dividir aqui uma experiência simples, na verdade, um tira teima que tive a oportunidade de realizar.  Bom, fora o Polpetone do Jardim de Napoli, quando penso num clássico de origem italiana, a primeira palavra (ou nome) que me vem à cabeça é "Alfredo".  Combinado com Fetucine, forma uma denominação quase mitológica.  O Fetucine Alfredo é muito, muito famoso no mundo inteiro, mas ao mesmo tempo representa uma grande confusão...

A começar por Roma, não dá pra saber realmente onde ele surgiu.  Uma das histórias diz que o Alfredo, em 1914 estava super preocupado com sua mulher, grávida, que não conseguia comer nada.  Ele então misturou três ingredientes básicos: fetucine feito com ovos, manteiga e queijo parmesão.  Segundo a historinha, era tão simples, tão genial e tão saborosa a combinação que nem a mulher dele resistiu.  Essa é a história contada em um dos endereços.  No outro endereço, claramente de dono diferente, não tem a historinha, mas eles dizem estar lá desde 1907 fazendo o tal fetucine.  Vai entender.  De qualquer forma, o escolhido foi o segundo, por parecer mais sério e menos "turístico" do que o primeiro.

Vamos ao que interessa (ou não).  A receita original, ao contrário do que se come normalmente em qualquer restaurante que tem o prato no cardápio (não é difícil encontrar um), leva somente estes três ingredientes numa ordem específica de preparo.  Não tem nada de creme de leite cozido na panela, bacon ou qualquer outra coisa que não seja macarrão, manteiga e queijo parmesão de primeira.  Vem tudo separado em uma travessa e a mistura é cuidadosamente feita pelo garçom já na mesa.  Para dar certo, a manteiga tem que ser leve (batida na hora, a partir de creme de leite fresco), o queijo tem que ser de primeira, ralado bem fino (nada de saquinho, pelo amor de Deus!) e o fetucine tem que estar fervendo!

É bem simples e, tenho que concordar, genial.  Uns dois anos atrás, eu fiquei obcecado por este prato, pesquisei, li, procurei e consegui reproduzi-lo em casa - não é difícil, só tem que ser feito com cuidado.  A grande diferença do original fica por conta de dois detalhes: o queijo, que no caso deles é um parmigiano regiano (dá uma dó ralar um queijo assim aqui em SP) e a massa, que é fresca e muito, muito fina.  Portanto, com bastante vontade, dá pra fazer igual, sem ter que ir pra Roma.  Claro que tem o charme do lugar, as fotos dos atores, atrizes, artistas incrivelmente famosos que passaram por lá, mas vamos combinar: o que importa mesmo é a comida.

O sorriso de satisfação alcançado é o mesmo que se observa depois de comer um Polpetone.  Portanto, são dois pratos que, na minha opinião, levam ao nirvana gastronômico...

Alfredo alla Scrofa - Via della Scrofa 104/a 00186 Roma

terça-feira, 12 de outubro de 2010

De Volta em Grande Estilo!

Peço desculpas de antemão aos incautos leitores do nosso humilde blog por postar algo que não seja de SP, do Brasil ou, vejam só, da América (seja ela do Sul, do Centro ou do Norte)!  Mas hoje tive uma daquelas experiências gastronômicas que redefinem o ser!  Coloquei na minha cabeça que só no final desta viagem, após o retorno para o meu sagrado lar, eu postaria sobre experiências e impressões da Itália.  O que eu estou prestes a descrever realmente me tirou do centro e DEMANDOU com letras maiúsculas, assim mesmo, um relato imediato!

Estou, há exatos 10 dias, realizando um sonho antigo: descer a Itália de carro, partindo do Norte, indo até o Sul.  Cumprirei metade deste sonho, percorrendo metade dela, até a altura de Roma (mais ou menos a metade mesmo, é só olhar no Google Maps).  Bom, desde o dia 10, saí da Ligúria e entrei na Toscana, parando em primeiro lugar em Firenze.  Confesso que minha expectativa para a Toscana era alta, esperando comer os mais fantásticos tipos de macarrão com os mais espetaculares molhos jamais experimentados - e até agora, isso aconteceu, principalmente experimentando algumas massas típicas de cada região (mas isso é assunto para outro post).  Nada, nada mesmo, me preparou para o que eu acabei de viver: a Bisteca Fiorentina!

Meu Deus!  Esse é um post épico, portanto vou abusar dos adjetivos e adjuntos adverbiais de intensidade!  Para quem não sabe (e sério, se não souber, pode parar de ler o post e seguir para outro tipo de leitura, ou assistir novela, Big Brother, sei lá), a Bisteca é um T-Bone.  Como todo bom T-Bone, é cortada com grande espessura e tem bastante gordura entremeada - crua, chega a parecer um pedaço de mármore.  Mas só parecer, porque na verdade essa característica é o que dá a ela o potencial de ser uma das carnes mais macias!  A gordura também tem outro propósito prático: deixar a carne extremamente saborosa!

Bom, a aventura de hoje começa com as indicações de duas pessoas: o Rogério, grande amigo e apreciador do Pasquale (um dos restaurantes preferidos do nosso blog) e do Edo (Edoardo), dono da pousada onde estamos aqui em Firenze.  Rogério mencionou a tal Bisteca quando eu disse que vinha para a Itália e o Edo, logo que chegamos aqui, sugeriu a Osteria Godò para o "dia da carne".
Aceitamos a sugestão por ser de um local, e que aparentemente não é turístico numa cidade tomada por hordas nervosas deles.  E na primeira impressão já sabia que tinha ido ao lugar certo!  Começamos bem o jantar quando a garçonete que estava nos atendendo começou a pedir desculpas e explicar que não tem como fazer a bisteca bem passada - aliás, acho que qualquer hora vou fazer um post só pra explicar a todos que gostam do "bem passado" o valor nutricional que se perde, sem falar do sabor!  Ok, nem precisei responder, só com o meu sorriso ela já sabia que estava falando com um cliente experimentado na arte da carne vermelha nervosa.
Pra acompanhar, uma porção de batatinhas ao forno, com azeite, sal e alecrim e um belo...  Brunello!  Se estava harmonizado ou não, eu não sei, só sei que estou na Itália, vou beber todos os Brunellos que puder!  Este, no caso, era um Caparzo 2005 - Espetacular!!
Bom, eis que vem a marvada!  Uma pintura, tão bem montada, suculenta, linda, que quase não tive coragem de garfá-la.  1, 2, 3, passou...  Garfei o primeiro pedaço, coloquei no meu prato, um pouco de pimenta aromática (direto do moedor) em cima e...  Meu DEUS!!!  Derreteu na boca...  Me lembrei do Jun Sakamoto dando o depoimento de que o sushi deve "se mexer" quando você o põe na boca.  Pois bem, foi praticamente o que aconteceu com aquele pedaço maravilhoso de carne vermelha, suculenta, farta, perfeita.  Antes do massacre, porém, tirei uma foto para compartilhar com todos aqui:
Mais um pouco e por pouco eu não ponho o osso todo na boca só para ter certeza de que não sobrou nada, que nem um grama seria desperdiçado!  Sonharei com essa carne por anos a perder de vista!  Foi uma experiência como poucas, soboreada com calma, com carinho.

E para terminar, como eu fui o responsável por grande parte da trituração de tal dádiva culinária, minha digníssima esposa ainda tinha espaço e disposição para a sobremesa.  Como eu já não estava em condições de raciocinar, quem dirá entrar num embate sobre as calorias recomendadas para o jantar, ela pediu um milfolhas com morangos e creme Inglês.  Também coloco a foto dele aqui, porque na opinião deste humilde fã da gastronomia, não me lembro de ficar tão tentado a comer um doce agressivamente:
Morangos frescos, massa milfolhas leve e estalando de crocante, creme amarelo vivo.  Simples, maravilhoso, delicioso!  Nessa hora achei que fosse ter que chamar o resgate para me trazer de volta ao hotel.

Pra finalizar e começar a preparar o espírito para a caminhada de 1,5km de volta (nem pensar em taxi, na verdade a vontade era de correr uma maratona), um espresso italiano - outro capítulo à parte, provavelmente um post só para falar disso - curto, quente, concentrado, saboroso.

Corpo fechado.  Ser redefinido.  Nunca mais serei o mesmo.  E isso porque só estou começando a Toscana.   Não sei se volto vivo!

Osteria Godò - Piazza Edison, 3/4r - Firenze - www.godofirenze.it